Como Estrelas na Terra
Roberto D’arte
O título deste texto é exatamente o nome de um belíssimo filme indiano, lançado no final de 2007, que, aos poucos, vem ganhando a atenção do mundo. Seu título original – “Taare Zameen Par - Every Child is Special" – traz um complemento (“toda criança é especial”) que já dá a dimensão da grandeza do tema que aborda.
Escrito, dirigido, produzido e estrelado por Aamir Khan (na história, o professor substituto de Artes – Ram Shankar Nikumbh), esse é um filme estupendo sobre o que de verdade se deve observar e valorizar no ser humano. Uma obra que deveria ser vista com bastante atenção por todos os pais, educadores e demais responsáveis por traçar os rumos da educação formal e informal neste planeta, onde ainda prevalecem os sentimentos/pensamentos distorcidos sobre vitória e derrota, aprendizagem e dificuldades cognitivas.
Impossível não se apaixonar por Ishaan Awasthi (primeiro papel do ator Darsheel Safary), um menino de 8 anos que esbanja criatividade, embora seja cobrado pelos pais e pela escola por não conseguir dar conta do conteúdo que precisa aprender. Tido como desatento, indisciplinado e preguiçoso, Ishaan não consegue explicar porque não consegue prestar atenção às aulas no rígido sistema educacional indiano.
Como tantas crianças mundo afora acometidas pela dislexia (um distúrbio de aprendizagem na área da leitura, escrita e soletração), o garoto não suporta a pressão e se fecha em sua própria “concha”. Quem já conhece este transtorno da aprendizagem ou quem o desconhece totalmente pode encontrar nesse filme uma chance de compreendê-lo de forma simples e didática, mas numa dimensão absolutamente lúdica e poética.
Segundo a ABD (Associação Brasileira de Dislexia), esse distúrbio é causa ainda ignorada de evasão escolar no Brasil e uma das causas do chamado "analfabetismo funcional". Seus integrantes chamam a atenção para o fato da dislexia ainda permanecer envolta no desconhecimento, na desinformação ou na informação imprecisa, não sendo considerada, portanto, como causadora de inúmeros insucessos no aprendizado.
A associação cita o livro “O adulto disléxico – as intervenções e os resultados”, de David McLoughlin, Carol Leather e Patricia Stringer, que trazem resultados de pesquisas realizadas com a população carcerária de Londres. Elas comprovam, por exemplo, que 50% dos presos na capital da Inglaterra sofrem de dislexia e acabam cometendo delitos por ter sua auto-estima baixa, advinda de uma sociabilidade prejudicada, expectativas frustradas e por se submeterem apenas às atividades secundárias.
Também menciona dados surpreendentes levantados por estudos realizados nos Estados Unidos, tais como o de que 70% a 80% do número de jovens delinquentes daquele país apresentam algum tipo de dificuldade de aprendizado, ou que é comum que crimes violentos sejam praticados por pessoas que têm dificuldades para ler. Ainda mais grave: há todos os dias nos EUA o registro de 40 crianças que cometem suicídio, estando as dificuldades na escola e a decepção que elas não gostariam de dar a seus pais entre as causas determinantes desta tragédia.
Em “Como Estrelas na Terra” Ishaan caminha exatamente para esse quadro trágico, não por sua culpa, mas pelo desconhecimento e insensibilidade das principais células sociais que deveriam amá-lo, compreendê-lo e educá-lo. O filme, no entanto, apresenta os instrumentos certos para reconduzi-lo ao seu devido lugar.
(publicado no Jornal TRIBUNA LIVRE, Viçosa-MG, em 23 de julho de 2010)